O
problema do olhar apaixonado é que se abre, permite dessas zonas normalmente
fechadas a visão de uma nitidez demasiada. Essa nitidez, mais cruel que
apaziguadora, incendeia, ou provoca vertigens, o que é quase o mesmo tendo em
conta os resultados.
Toda
a intimidade acima de uma certa escala se torna ameaçadora, e é isso que o
olhar apaixonado é, antes de mais. Ele suga-a, quer dizer, cega-a, e poucas
comparações para o amor me têm parecido tão acertadas.
Este
excesso de visão, ou de alma, devolver-lhe-á no fim – ele é uma espécie de
espelho – o seu próprio olhar.
É
já um olhar devolvido o deste rosto pintado por Alfred Stevens. Trata-se mais
de um roubo do que de uma devolução, já que esta nunca é total.
O
que ela espera já não são os olhos amados mas o corpo desse ser que, sentado à
escrivaninha, se perde com as suas contas ou escreve uma carta. Ela afagou-lhe longamente
o rosto à chegada. Tudo me diz que talvez evite olhá-lo demasiado. Com o tempo
talvez se distraia cada vez mais.
É
mesmo provável que ao fim de alguns anos ele tente certas liberdades com as
criadas.
(um pedido de desculpas aos
leitores habituais deste blogue por este devaneio inspirado nesta pintura do
século XIX)
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