No outro dia estava em casa dos meus avós e encontrei um jornal, já
antigo. Perguntei à minha avó porque o guardava, e de seguida mostrou-me a
parte de trás do jornal onde estava uma fotografia dos meus bisavós com
Salvador Dalí e sua mulher, Gala. Pedi à minha avó, Maria Antónia Moraes, para
me escrever um texto, com recordações e momentos divertidos que passou com
Dali.
“Desde que me lembro, Salvador Dali esteve presente na minha memória.
Em 1940, tinha eu pouco mais de três anos, quando Dali e Gala, sua mulher,
vieram a Lisboa. Sendo ele grande amigo dos meus pais, tinha pedido ao meu pai
que o ajudasse no envio dos seus quadros para a sua primeira exposição em Nova Iorque.
Esta vinda coincidiu com a Exposição do Mundo Português. Durante os dias que
aqui passaram, estiveram em nossa casa e saíam com os meus pais. Foram descobertos
por um jornalista, quando jantavam juntos na Exposição, e a fotografia foi
publicada no Diário de Notícias.
Salvador, era amigo de infância de minha mãe. Os seus pais, amigos dos
meus avós. O pai era o notário de Figueras, na Catalunha, e esta família era
muito conhecida e respeitada. A irmã, Ana Maria, cresceu junto com a minha mãe,
eram grandes amigas.
Um episódio na vida de Dali, quando era muito novo, em que, ele, Ana
Maria e a minha mãe muito se divertiram, foi quando um jornalista de Madrid
chegou a Figueras para lhe fazer a sua
primeira entrevista. Salvador chamou-as dizendo: «venham depressa, ajudem-me!
Quero virar os quadros ao contrário, e vão ver como dou a entrevista e me divirto
imenso!» Assim aconteceu e o jornalista não percebeu a brincadeira! Até ao fim da vida deles, este episódio foi
recordado.
No verão quando íamos passar um mês de férias a Calella de Palafrugell,
onde estavam os meus avós paternos, sabíamos que uma tarde era dedicada a
visitar Dali, em sua casa de Port- Lligat. Encantavam-me essas visitas! Ele
recebia-nos com muita amizade e simplicidade. A tarde passava sem darmos conta.
Lanchávamos no jardim. As conversas eram interessantes, parecia que tínhamos
entrado noutro mundo.
Dali, mostráva-nos os seus últimos quadros, que ainda se encontravam no atelier. Tocou-me intensamente a «Última Ceia», que tinha acabado de pintar: a luz, que entrava pela janela, iluminava-o de tal maneira que me parecia ver uma cena real. Tive o impulso de querer tocar com a minha mão nos mantos dos Apóstolos, e sentir a sua textura entre os meus dedos. Também nos mostrava as maquetes das peças e jóias que fazia; algumas com movimento: relembro um vaso com borboletas a voar. A sua imaginação era imparável.
Dali, mostráva-nos os seus últimos quadros, que ainda se encontravam no atelier. Tocou-me intensamente a «Última Ceia», que tinha acabado de pintar: a luz, que entrava pela janela, iluminava-o de tal maneira que me parecia ver uma cena real. Tive o impulso de querer tocar com a minha mão nos mantos dos Apóstolos, e sentir a sua textura entre os meus dedos. Também nos mostrava as maquetes das peças e jóias que fazia; algumas com movimento: relembro um vaso com borboletas a voar. A sua imaginação era imparável.
Connosco tinha sempre conversas normais, a sua atitude era sempre
natural e agradável. Impressionava-me o seu bigode, todo levantado e rígido, graças
a um fixador ou goma (nunca percebi como). Nas pontas colocava duas pequenas
flores brancas. Numa das tardes, em que me
desenhou uma formiga no meu livro de autógrafos, tirando uma flor do bigode,
disse-me: «queres ficar com esta flor como recordação?» Claro que quis! Ainda a
guardo dentro do mesmo livro.
Outro episódio curioso: numa viagem a Paris , o meu pai encontrou-o
por acaso no mesmo hotel onde se hospedava. Combinaram, tomar no dia seguinte o
pequeno almoço juntos. Estavam no meio desta refeiçãoconversando
tranquilamente, quando apareceram uns jornalistas para uma entrevista, que já
tinham combinado. Dali convidou-os para se sentarem à mesa com ele. Nessa
altura, chamou um criado e pediu uma
omelete, e disse ao meu pai: «espera, que já vais ver.» Quando lha trouxeram,
transformou-se, tirou o lenço do bolso
superior do casaco, pegou na omelete e colocou-a no lugar do lenço, deixando
todos estupefactos, assim começou a entrevista... A meio desta, virou-se para os jornalistas e
disse: «Estão-me a entrevistar, mas esquecem-se que aqui ao meu lado está um dos
maiores poetas do nosso país».( referia-se ao meu pai, que nunca na vida tinha
escrito um verso!)
Salvador Dali, entre amigos, tinha uma maneira de estar natural,
apesar da sua genialidade.
Para mim é inesquecível , foi um privilégio tê-lo conhecido desta
forma.”
Teresa Castel-Branco, 9º F
Já era fã...mas agora estou a ficar "fãnático"...para além do inesperado ficou-me sobretudo a qualidade do texto...a sua enorme capacidade de revelar uma época...o surrealismo sai a ganhar!!
ResponderEliminarQue belos relatos e que privilégio ter partilhado desta amizade!
ResponderEliminarGrande abraço!
Caríssimo professor,
ResponderEliminarMuitos parabéns pelo blog! É realmente uma ideia fantástica esta de ir reunindo bocadinhos da história de pessoas normais, com tanto para contar e mostrar.
Já perdi horas a vasculhar todos os posts para trás e não tenho dúvida que é dos melhores blogs que andam por aí.Além disso, é uma óptima maneira de despertar e manter o interesse dos seus alunos pela História.
Lembro-me bem quando saiu essa fotografia no jornal e de também ter feito um trabalho sobre o Dali com o Miguel, acho) no 9º ano.
Mais uma vez, muitos parabéns e obrigado.
Um forte abraço do seu amigo e antigo aluno,
Pedro Castel-Branco
É de ler e entrar na época, exatamente como diz, “prof”. Um privilégio simples que é o segredo das coisas grandes, Sonia.
ResponderEliminarMeu querido Pedro… que saudades da vossa inteligência e discordâncias sempre tão livres e elegantes... mas essas coisas andam a par… Dê um grande abraço por mim ao Miguel.
Que incrível coincidência ou é o gen familiar que falou alto, avô e neto tocadores de tuba?
ResponderEliminarTens razão é nas pequenas coisa que encontramos grandes alegrias!
Grande abraço!