26 outubro 2008

Anos 30 Foto de Família em Estúdio

Estas mãos que alternadamente punem e afagam e que teatralmente posam para a fotografia – as convenções de época são para ser cumpridas – seriam a única coisa que prenderia o meu olhar a este retrato não fosse a presença absolutamente fantástica da rapariga.
Os dois irmãos parecem ausentes. Nada no seu olhar me elucida acerca dos seus pensamentos.
O fotógrafo fez uma má escolha, ou demorou demasiado, o que também é possível. O mais velho poderá mesmo ter apanhado um puxão de orelhas. Ambos têm cara disso.
A ter acontecido, pese embora a aparente severidade do pai, foi a mãe a encarregar-se da tarefa. As traquinices de miúdos antes da pose, num estudo fotográfico, eram coisas de mulheres, são elas que se irritam com o facto de os laços ou as golas saírem dos seus sítios.
Teria sido pelo contrário o pai se o sucedido de desse nos momentos já de pose que antecedem a fotografia. Os homens parecem ser mais sensíveis às formaturas. O seu rosto um pouco tenso dever-se-á mais ao facto de não gostar de tirar fotografias, ou ficar tanto tempo imóvel no mesmo sítio. São as suas mãos que o dizem. Os próprios pés parecem preparar-se já para andar, se os virmos isoladamente.
O que me atrai neste frágil corpo de rapariga é o olhar, ou melhor, o rosto por oposição ao corpo rígido. A mão esquerda da mãe prende-a. As do pai estão ausentes dessa tarefa pelos motivos já vistos.
Há neste rosto mais do que uma simples contrariedade, o que para uma criança seria de qualquer forma muito. Nada neste corpo se move para fugir ao que a contraria. Na cara, tudo. Ou antes, tudo nesta cara à excepção dos olhos. Eles sonham já. Será essa a sua fuga.
O NÃO que o nariz e os lábios dizem, com uns olhos assim, talvez não dure muito. Não me admiraria nada que toda uma vida se encarregasse disso.


As famílias da classe média (ela é professora primária, ele pertence aos quadros médios dos Caminhos de Ferro Portugueses) deslocam-se ao estúdio fotográfico para o retrato. As mais abastadas mandam vir o fotógrafo a casa, ou têm elas próprias um familiar “excêntrico” com gosto e posses para a máquina… Das menos afortunadas não sobram na grande maioria das vezes grandes registos.)

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